A Subjetividade em Rede: o Sujeito e o Inconsciente na Era Digital
A Subjetividade em Rede: o Sujeito e o Inconsciente na Era Digital
10/22/20253 min read


A Subjetividade em Rede: o Sujeito e o Inconsciente na Era Digital
Vivemos conectados. Do despertar ao adormecer, passamos boa parte do tempo diante de telas — trabalhando, conversando, expondo nossas ideias e sentimentos. As Tecnologias especialmente as redes e mídias sociais, remodelaram completamente o modo como nos relacionamos, trabalhamos e percebemos a nós mesmos.
Mas o que a psicanálise tem a dizer sobre isso? Como o inconsciente se manifesta nesse novo cenário de hipervisibilidade, onde o “curtir” vale mais que o silêncio e o tempo é sempre o agora?
Freud já nos ensinava que o Eu não nasce pronto — ele se constitui ao longo das experiências, das relações e dos conflitos entre o desejo e a realidade. Hoje, essa constituição ocorre em meio a um ambiente digital saturado de estímulos, imagens e discursos.
Nas redes, o sujeito é chamado o tempo todo a se mostrar e a se representar. O perfil virtual torna-se um espelho narcísico que reflete uma versão idealizada de si, frequentemente mais bela, mais feliz e mais completa. Contudo, por trás dessa imagem polida, habita a falta — o vazio que nenhuma curtida é capaz de preencher.
Em “Sobre o Narcisismo: uma introdução” (1914), Freud descreve o amor a si mesmo como um momento essencial da formação psíquica. O problema surge quando esse amor se fixa na imagem idealizada, impedindo o sujeito de se abrir à alteridade.
Nas redes sociais, esse narcisismo se amplifica: o indivíduo vive em busca do olhar do outro — dos elogios, da aprovação, das métricas. O “ideal de Eu”, que Freud descreveu como projeção do que gostaríamos de ser, ganha forma em avatares e perfis cuidadosamente construídos. O Eu virtual promete perfeição, mas também aprisiona o sujeito em uma fantasia de completude inatingível.
A cultura digital introduziu uma nova forma de estar no mundo: a lógica da performance. A vida cotidiana se tornou palco e vitrine. Ser visto, ser produtivo, ser interessante — esses são os novos imperativos do sujeito contemporâneo.
A comunicação mediada por telas elimina o espaço do silêncio e da pausa. Tudo é imediato, tudo é resposta. Essa urgência mina a capacidade de reflexão e aprofunda o mal-estar, pois o inconsciente não se expressa no ritmo das notificações.
O sujeito que vive para mostrar-se perde o contato com aquilo que o move de verdade: o desejo.
No ambiente de trabalho, o impacto é igualmente profundo. A fronteira entre o profissional e o pessoal se dilui. O sujeito está sempre disponível, conectado, produtivo — e exausto.
Como descreve Byung-Chul Han, vivemos sob o signo do “sujeito do desempenho”, que explora a si mesmo em nome da eficiência e da visibilidade. A psicanálise, nesse contexto, oferece resistência: ela propõe um espaço de escuta e pausa, onde o sujeito pode reencontrar o sentido de seu próprio tempo e elaborar o excesso de exigência que o atravessa.
As relações afetivas também mudaram. O outro é agora uma presença mediada por telas, reduzido muitas vezes a um “objeto de consumo” emocional.
Nas redes, a ilusão de controle e onipotência predomina. Clicar, bloquear ou deslizar substitui o confronto com a diferença e com a frustração — elementos fundamentais do amadurecimento emocional. O Eu prazer, como descreve Freud em As pulsões e seus destinos (1915), domina a cena, buscando satisfação imediata e evitando o encontro com o limite.
Para crianças e adolescentes, o cenário é ainda mais delicado. A exposição precoce às redes sociais interfere na formação do Eu e na capacidade de distinguir o real do virtual.
O olhar que antes vinha dos pais e educadores — um olhar simbólico, estruturante — é substituído pelo “olhar digital”, que mede o valor do sujeito em números: seguidores, curtidas, visualizações. A subjetividade se torna refém da aprovação do outro, comprometendo a construção da autonomia e da autoestima.
A realidade virtual não é apenas uma reprodução do mundo interno — ela se torna uma extensão dele. O sujeito não apenas se representa nas redes, mas se recria nelas.
A fantasia e o real se misturam: o Eu prazer e o Eu realidade convivem em tensão. O espaço virtual funciona como zona de projeção das pulsões e das idealizações, mas também como campo de sofrimento. As novas formas de angústia, solidão e comparação incessante emergem como sintomas contemporâneos — expressões do mal-estar na civilização digital.
A psicanálise, longe de condenar a tecnologia, busca compreender o que ela revela sobre o sujeito. As redes sociais, mais do que um problema, são um sintoma do nosso tempo — um espelho do desejo humano de reconhecimento, pertencimento e amor.
O papel do analista é acolher o sofrimento que nasce desse excesso de visibilidade, ajudando o sujeito a reencontrar o valor da palavra, do silêncio e do desejo singular. Porque, mesmo na era dos algoritmos, o inconsciente continua a falar — e talvez agora, mais do que nunca, precise ser escutado.
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